Não parecia
atitude de homem maduro, mas acabei pedindo-a que esperasse por mais algum
tempo. Havia nos conhecido há cerca de seis meses e ela ansiava pelo contato
decisivo. Dizendo que namoro sem sexo é amizade, ela via o encontro entre
nossos corpos como a consumação, o aprofundamento dos nossos laços, o
fechamento do contrato entre nossas almas.
Todo o
tempo solicitado se passara e as recordações que me atormentavam persistiam.
Suas presenças eram como um objeto com arestas afiadíssimas na garganta dum
ruminante. Eu me colocava a ingeri-las e regurgitá-las para novamente
ingeri-las e regurgitá-las, abrindo feridas incuráveis ao longo de toda a
trajetória. Este ciclo compulsório, de remoer recordações, de permitir que
sensações pretéritas invadam e determinem o presente, tornando-me irascível ao
ponto de não mais conseguir discernir quão realmente eram relevantes ao homem
que me tornei, era pernicioso e um sólido entrave a felicidade.
Na noite do
encontro, todos esses raciocínios acompanharam-me até a porta do quarto do
hotel e lá permaneceram privados da intercessão no que iria acontecer. Ryouji
se despia pouco a pouco, exibindo seu corpo já mergulhado no desejo de dominar
e ser dominada; despia seus trajes formais, mas, lentamente, era acolhida pelas
vestes da sensualidade que nos alcançava pela intensa libido. E eu sentia
aquela energia insuflar em meus lábios um adocicado sem semelhanças com tudo
que eu já experimentara e, que, todavia, não me privava da sua face dolorosa.
Era dúbio aquele instante. Estava numa mistura de amor e dor.
Nesse campo
de batalhas entre forças amigas e oponentes, num movimento incisivo, as
lembranças invadem o quarto fazendo dissipar toda aquela esfera delirante. O
corpo de Ryouji, meigo como duma bailarina, transformou-se em rudeza. Era como
se tudo perdesse visibilidade, ou cedesse espaço à existência daquelas
lembranças de transgressões que impuseram um precoce limiar a minha infância.
Cheguei à conclusão que não havia superado as séries de abusos sexuais que feriram
meu corpo e meu espírito.
Naquele
instante, Ryouji percebia a estranha mudança de meu estado emocional através da
configuração da tez de minha face. Eu me contorcia e chorava já não percebendo
os olhares da senhorita que já se sentia abandonada. Sem entender uma vírgula
do que se passava, pergunta-me:
— Que há de
tão abominável em meu corpo?
— Não há
nenhum caráter execrável em teu corpo que não estava presente em outros corpos
que intentaram proporcionar-me a alegria de sentir a intensidade do contato
entre dois seres em chamas. Agora, o que vês é um homem de carne, ossos e um
amontoado de traumas que a vida tratou de imprimir em seu corpo; marcas
indestrutíveis, somente, superáveis. Pelo que estais vendo, estou aquém de
transpô-las.
Naquele
dia, já com um acúmulo de tantas tentativas frustradas, eu descobri que para
amar é necessário está suficientemente forte para se entregar de corpo e alma,
e que há pessoas que vivem uma vida e morrem sem ter alcançado a fortaleza
necessária para ser feliz ao lado de outrem.
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