segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Uma crítica ao livro “O Pequeno Príncipe” de Saint-Exupéri




Ao ler o décimo quinto capítulo do livro “O Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéri, eu pensei se haveria alguma relação entre a metodologia do ensino da geografia, vigente na época, e a forma como o autor define a profissão de geógrafo.  Eu suponho que  ele não empreendeu pesquisa alguma quando resolveu inserir um geógrafo em sua narrativa. Sua admiração àquela profissão, que se manifesta através da fala do Pequeno Príncipe, explicita as cicatrizes das traumáticas e agônicas aulas de geografia que o autor presenciou durante sua juventude.
O livro foi escrito e publicado na década de 1940. Nesta época, a geografia e a pesquisa geográfica estavam sobre os auspícios da escola tradicional e da nascente escola neopositivista. Saint-Exupéri estudou em colégio de padre, passou anos experimentando a educação jesuítica, não deve ter conhecido um ensino dócil da disciplina para definir o geógrafo como “um especialista que sabe onde se encontra os mares, os rios, as cidades, as montanhas, os desertos”. Tal definição denota a concepção duma geografia enciclopédica e não científica.
Ele comete outro vacilo quando não considera o geógrafo como explorador. Não sabia ele que a geografia jamais desprezara a pesquisa de campo? A geografia nasce como uma ciência da exploração. Se não fosse a necessidade do homem de conhecer seu habitat, eu presumo que jamais existiria geografia, basta recordarmos as figuras de Richard Burton, Alexandre de Humboldt e as dos maiores exploradores geógrafos da história.
Mas o principal, que eu considero quase uma profanação, diz respeito à visão que o autor tem do objeto de estudo da geografia. Vejamos:
“Os livros de geografia” — palavra do seu personagem — “são os mais exatos. Nunca ficam ultrapassados. É muito raro que uma montanha mude de lugar. É muito raro um oceano secar. Nós escrevemos coisas eternas”.
Para final de conversa, nem naquela época eram estes os objetos da geografia. Depois disso, de fato, ele não pesquisou nada sobre a geografia antes de inserir um geógrafo em sua narrativa. E mais: o que sobressaiu no momento da concepção foram as lembranças das aulas no Colégio Jesuíta. O autor não entende o espaço geográfico como uma realidade que surge de um processo e se modifica ao longo de um processo. Esse processo é o processo da produção e reprodução da existência humana através do trabalho. Por existir um processo, logo há uma mutabilidade; destarte, não há maneira da geografia, contendo a pretensão de interpretar a realidade, ver os objetos e as relações como dados eternos. A geografia — tanto quanto as outras ciências — sabe que não há nada imutável; sabe, também, que o próprio nada, para ser constatado, depende da relação entre o vazio e o existir.
Para concluir, eu não utilizaria o livro em minhas aulas de geografia. Todavia, eu advirto que o livro possui inúmeras potencialidades e deve ser lido por todos os seres de razão.

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