MEUS SORRISOS SÃO SEUS
Decidiu
não mais brincar com os sentimentos alheios.
Neste tórrido dia, ela se encontra consigo mesma numa esquina e descobre
que possui força suficiente para abandonar suas inseguranças. Visualiza, no
instante seguinte, a sua frente, a imagem de João-Victor a esperar um abraço
aconchegante. Descobre que é ele e mais ninguém o dono dos seus sorrisos.
Trovejante
foi o abraço que ele ganhou. Depois, seguraram um a mão do outro e sentiram a
pulsação nas pontas dos dedos. Seus pensamentos, seus olhares eram leves como o
vestido que escondia a afabilidade do corpo dela. Tudo estava quente. A Joana
Angélica quente. O Shopping Lapa quente. Praça Piedade, também, quente.
Todavia, ao redor dos dois era frescor, ventania... Tal balbúrdia era o
resmungar do tempo que não se conformava com a obrigação de parar para tornar
imortal aquele instante.
A
cabeça dele estava desorganizada de tão aliviada. Já não recordava das horas de
incerteza e impaciência. Afinal, ela era complicada com as coisas do amor.
“Serão traumas?”, perguntava-se. Tentativa em vão era usar da inquirição ou
adivinhar com a intuição; ela era demasiado taciturna para revelar qualquer
coisa a respeito do passado que escondia sob a poeira das alpercatas. Contudo,
“que valor possuía tais indagações se ela já abandonara a parte que a
desencaminhava?”, perguntava-se. Malgrado a ausência da razão, o coração de
João-Victor bradava com suas conclusões impulsivas: se esteve perto de perdê-la
por inteiro, havia o risco de tê-la pela metade. “Os traumas”, ele pensava, “quando
corporificados, ocupam de tal modo um espaço no cotidiano que, quando
superados, deixa um vazio que necessita imediatamente ser preenchido; ou, a
própria superação é a expulsão e o preenchimento concomitante do vazio resultante?”.
De todo modo, pensou na possibilidade de curar traumas de afeto com o próprio
afeto, e, se houvesse um vazio, já tinha em mente com que preenchê-lo.
Já
com ela, os pensamentos não rejeitavam a lógica. Tinha consciência do que havia
passado. Fizera-se de complicada como subterfúgio para dele ocultar as
cicatrizes de um grande amor que certa feita a arrebatou e que a marcou como
ferro e brasa. Sabia mais do que ninguém que o que passou e o resto que ficava
já não traziam lucros. Esta constatação é a esquina em que ela o reencontra a
esperar um abraço aconchegante que, na verdade, não era para ele, e sim para
ela. Se suas complicações eram subterfúgios, era preciso rejeitá-las e
encontrar nele a saída de emergência para enterrar de vez um passado sem
sentido. Trauma, não; assuntos não resolvidos, sim. E resolveria cedendo, dando
a oportunidade ao outro de preenche uma vazio que ficou. Para isso, era preciso
permitir que João-Victor fosse dono dos seus sorrisos.